20 de novembro de 2012

Gavetas fechadas.

Viena de Áustria, 8 de Agosto de 2006.


«Não deves abrir as gavetas
fechadas: por alguma razão as trancaram,
e teres descoberto agora
a chave é um acaso que podes ignorar.
Dentro das gavetas sabes o que encontras:
mentiras. Muitas mentiras de papel,
fotografias, objectos.
Dentro das gavetas está a imperfeição
do mundo, a inalterável imperfeição,
a mágoa com que repetidamente te desiludes.
As gavetas foram sendo preenchidas
por gente tão fraca como tu
e foram fechadas por alguém mais sábio que tu.
Há um mês ou um século, não importa.»

-- Pedro Mexia.


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Nem eu poderia ter escrito melhor. Ou, às páginas tantas, se tivesse sido eu a fazê-lo, apareceriam certamente uns quantos vocábulos mais vernáculos, que eu também sou moça para se me fugir o pé para o chinelo.

Gavetas são gavetas. Não são para estarem abertas. Aliás, impera fechá-las com um propósito, não vá alguém passar e "zás", bater e magoar-se. E mil uma razões podem existir para que elas estejam assim, fechadas. Tão somente. Se as trancaste, de nada adianta sobrevalorizar a chave. Deixa-a lá estar. Faz por esquecê-la.

Numa gaveta fechada podes encontrar de tudo. Mentiras, refere o Pedro Mexia. Mas eu acrescento-lhe: podes encontrar de tudo um pouco e/ou de tudo um resto. As minhas guardo-as com jeitinho e até algum carinho. Não vão, a qualquer instante, surgirem esqueletos, carne podre e coisas feias, sentimentos maus, angustias e tristezas. As minhas e qui ça as de outros tantos.

A isto poderia chamar higiene mental. Ou não. Ou talvez sim. É qualquer coisa do género. Lamentavelmente, acabou de me passar pela mente que também isto é carregar lixo. Olha, bem vistas as coisas, o melhor mesmo será atirar a chave ao mar. Ou engoli-la, para os mais corajosos.

Fechar gavetas é desafiar a mente mas também é espicaçar o corpo. É ousar chamar os bois pelos nomes para depois os colocar no seu devido lugar, ainda que a vida no campo me pareça aliciante! Bom, mas isto serão contas de outro rosário e, para este peditório, hei-de querer dar, um dia. A seu tempo, obviamente. E se para aí estiver virada que, como diz o meu Pai, eu também não sou certa.

Gavetas fechadas, escrevia eu... Arrumar assuntos, sistematizar ideias e sentimentos. É estar vivo mas, acima de tudo, é querer ousar viver melhor. Sempre e sempre melhor.






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