Capítulo 1.
Tenho idéia que sempre escrevi sobre o dia em que tu morreste. Ora pela morte cerebral, ora quando te parou o coração. Também já escrevi sobre as diferentes formas de dor sentida antes, durante e após. Foram várias as emoções; São dispares os sentimentos. Afinal de contas, sou capaz de ter coração. Quer dizer, eu sei que tenho pois ele bate-me cá dentro todos os dias. E não menos importante, desde o dia 7 de Fevereiro de 2011 que o "reconheço", que o sinto vibrar e pulsar. Foi o dia em que nasceu o meu Afilhado mais novo, o meu Amor maior. Ele é lindo, é maravilhoso e chama-se Francisco. Eu amo-o perdidamente e sei, porque o sinto com uma intensidade enorme, que ele me ama também. Mais que não seja, faz-me olhinhos quando quer e eu derreto-me sempre. Não tenho como evitar e nem quero fazê-lo. É amor, o que é que se vai fazer, não é? Nada. Vive-se, sente-se e aprende-se.
Capítulo 2.
Voltemos pois ao príncipio. No dia seguinte ao dia em que tu morreste, fiz várias coisas. A Carla Sofia quis dormir lá em casa e eu nem questionei. Faltavam-me forças para ripostar e eu já nem sabia ao certo de que terra era portanto, deixei-a ficar. Acordámos cedo (acho que não dormimos), tomámos banho e saímos para tomar o pequeno almoço no Scala. Nota que eu não ingeria alimentos sólidos desde o dia 27 de Outubro, o teu primeiro dia fora de casa. Aliás, foi o dia em que saíste e nunca mais voltaste. Mas lá fomos nós. Foi uma enchurrada de caras e de perguntas. Ainda hoje não sei o que disse mas sei que devo ter dado umas quantas respostas tortas. Caramba! Eu estava mega, ultra cansada de 3 semanas de angústia, de dor, de ausência, do desconhecido, do que ali estava/estaria para vir. E veio. Menos tu. Tu não voltaste a casa.
Capítulo 3.
Tratámos de vários assuntos, incluindo do velório e da cremação. Tratámos das festividades, basicamente foi isto. De tarde, recebi o Tiago lá em casa e com ele escolhi e separei a tua roupa toda. A Avó Fernanda e a Tia Teresa ficaram com a maior parte e por mim, tudo OK. Eu guardei a roupa interior, biquinis e fiquei com outras coisas também. Nada de mais. Já me conheces. A dor era tanta que tive o pensamento congelado durante tempos e a minha capacidade de raciocínio - PUFT! - esfumou-se; Caiu num caos qualquer. Mas sei que guardei o que me apeteceu, uso o que bem entendo (ainda tenho peças tuas, do tempo em que eras solteira, acreditas?). Aliás, posso dizer-te que tudo cheirava a ti, ao teu perfume inconfundível, o Femme Individuelle da Mont Blanc. Ainda guardo o frasco, usei-o até acabar. E gostava bastante mas... Nunca tive coragem de o comprar. Sei lá eu porquê. Acho que aquilo também és tu e eu tenho-te e sinto-te (ainda?) de diferentes formas e isso já é tanto e basta-me (ou não, nem sei). Tudo o resto, se for para mexer muito, vou fazer asneira. E também não me apetece, devo dizer-te. Tenho este feitio do caraças e tu já sabes que eu sou assim, metade torrão de açucar e outra metade limão. Portanto, é o que se arranja.
Capítulo 4.
No Domingo seguinte [isto porque o dia em que tu morreste foi numa Sexta, o dia seguinte (este sobre o qual te escrevo agora) foi Sábado], o Tiago tirou-me de casa. Fomos para a Baixa, levei o carro para o estacionamento do Camões e lá andámos nós, de loja em loja. Faltava-me roupa preta e um casaco de Inverno em condições. Este acabou por ser oferta do Pai. Aliás, uma de várias ao fim destes anos todos. Faço o que me ensinaste, que eu cá sou bem mandada, e deixei de ser orgulhosa. Aceito, não penso muito nessa coisa dos orgulhos e nessa merda do dinheiro, e olha... Sou bem mais feliz assim, sem ter orgulho por receber prendas do meu Pai. Afinal, ele é o meu Pai e eu sou a sua Filha. Nem sei bem porque raios estou a terminar este capítulo com esta frase meio tola (e bem longa, sem pontuação, ao jeito do Saramago) na medida em que sei que tu sabes disto melhor do que eu.
Capítulo 5.
Quer dizer, minto-te com todos os dentes que tenho. Não sou mais feliz, assim no seu todo. Aprendi a ser feliz sem ti, sem te ter por perto. Ou por outro lado, posso dizer que aceitei, perdoei e segui em frente. Optei pelo caminho mais difícil (tinha feito o mesmo um ano antes, com a história já velha e gasta do R. e, pelos visto, não lhe perdi o jeito), é certo. Mas quem disse que gosto das coisas simples da vida? Nada disso. Ainda assim, aqui estou, de pé. Sempre a "partir pedra", a aprender a ser feliz um dia de cada vez para não querer sorver tudo de uma só vez. E sorrio; Não posso, nem quero deixar de o fazer.
Contudo, hoje, e só por hoje, não me apeteceu ouvir música.
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