3 de maio de 2009

Atrevida e Cheia De Vida.

Foto de Luís Guerra. Oliveira do Hospital, Outubro de 2002.

Atrevida. Tu ainda és assim. Que bom!

Ainda te sinto. Ainda te cheiro. Amo-te exactamente como sempre, como dantes.

Não te demores agora. Continuo a apreciar os teus passos largos que te traziam para casa, sempre que me vinhas desafiar para aquele café que tão bem sabes que gosto de tomar antes do jantar.

O teu Sorriso continua lindo e sincero. É certo que o vento mudou algumas das nossas direcções mas acabamos por nos encontrar... Sempre. Não conseguimos dizer adeus. Mas que raio de palavra é esta? Vamos bani-la, está decidido.

Entre Nós continua a existir este Amor Imenso, tal como o Mar. O Mar que tantas vezes apreciámos juntas enquanto fumávamos cigarros, umas vezes em silêncio, outras tantas a jogar conversa fora como que a falar do almoço que se avizinhava, das gargalhadas da noite anterior, ou então ficávamos ali, simplesmente perdidas entre os beijinhos que eu te dava no pescoço que tão bem me retribuías com aquela "aguinha"salgada e fresca nas costas...

Lembras-te Mãe, de quando caminhávamos suavemente pela praia do nosso camping até àquele pontão especial onde, mais tarde, eu e o Tiago te libertámos? Ainda te lembras do hábito parvo que temos de deitar as alças dos biquinis abaixo, para ajudar a bronzear este nosso colo e peito tão semelhante, onde saltam à vista uma infinidade de sinais, pintas e pintarolas que nunca mais acabam? Na verdade, com as minhas manias dos raios UV e da camada do ozono saturada e bla bla bla, nunca me consigo "dourar" como tu! Também é certo e sabido que a minha pele jamais será tão aveludada e perfumada como a tua, que me aninhava e embalava e me fazia ser assim, tão TUA. Aiii... Que saudades tenho de Ti, Mãe.

Ainda te lembras de como sou melosa, de como gostava de te dar a mão, de te abraçar mesmo quando reclamavas que tinhas calor ou do jantar que ainda estava por terminar e já eram quase oito da noite e o Pai gosta de jantar a essa hora (aquela seca habitual dos horários... olha, sabes, agora não é nada assim e até é ele que me diz: «-Paula, sem stress...»!).

Será que Aí ainda me ouves? Será que ainda és apaixonada pelos meus olhos grandes e pelas pestanas que tanto invejavas, já que os teus olhos são pequeninos? E ainda te lembras que eu tenho o mesmo sinal que tu, no lado esquerdo da cara, sinal esse que nos confere este "jeitinho" especial? Será que ainda te lembras do quanto me fazias Feliz nas manhãs de Natal? Vinhas à rua tomar o pequeno almoço com o Pai, despedias-te dele; Ele que nunca estava connosco, ía para a Costa trabalhar. Depois, voltavas a casa, fazias imenso barulho na cozinha, metida entre tachos e panelas, enquanto assavas a carne (carne que já não como...) e eu acordava tão imensamente feliz por saber que iria ter contigo, pé ante pé, para te abraçar e beijar o pescoço. Lembras-te, Mãe? Depois dessas manhãs, nunca mais conheci qualquer outra sensação que se assemelhe com... FELICIDADE. Esse é o único conceito de Felicidade que conheço.

Nos dias das Mães tinhamos outros almoços. Gostavamos de ir comer picanha e de beber cerveja, de passear e de comprar roupa naquelas lojas malucas, como lhes chamavas, e onde te punhas a "abanar o capecete" enquanto eu me percorria pelos mesmos corredores vezes sem conta. Tenho saudades tuas, Mãe. Tenho saudades do teu corpo, do teu cheiro, do teu abraço e, principalmente, do calor que emanava de ti. Não há ninguém como tu, Mãe.

Obrigada por todas as lições de vida. Obrigada por me teres ensinado a gostar de ouvir o Mar, de andar descalça, de nadar no mar frio, de comer pimentos assados com sardinhas, por me teres ensinado a gostar da chuva e da cor amarela. Obrigada por me teres ensinado que, mesmo que não se saiba uma história de encantar, se devem inventar outras tantas 1001 histórias se uma criança nos pedir. Obrigada por todas as histórias que me contavas quando eu era pequenina, sobre a tua vida na Madeira, quando me revelavas como eras rebelde, dentro daquela farda obrigatória no colégio de Santa Teresinha onde estudaste. Sabes, Mãe, naquela altura, eu não tinha qualquer dificuldade em comer. Eu pedia-te histórias apenas para que ficasses ali, sentada ao pé de mim... Para que eu te pudesse admirar e contemplar, tal como tu fizeste, anos mais tarde, quando eu chegava tarde do trabalho e te sentavas aqui na sala, ao meu lado, e fumavas enquanto eu comia e o Pai dormia sentado no sofá...

Sempre foste uma Mulher Linda... Daí os ciúmes do Pai, que agora tão bem compreendo. Obrigada por todos os ensinamentos e por todo o Amor que me tens. Obrigada por me permitires dar-te a mão à noite, quando tu adormecias rapidamente, sem nunca largares o comando da tv da outra mão!

Oh Mãe, desculpa... Desculpa por nunca te ter agradecido convenientemente pelas mangas que me descascavas de manhã cedo, para que eu comesse fruta depois do almoço. É curioso que nunca foste muito desses cuidados mas, nos últimos anos antes da tua partida, fizeste-o vezes e vezes sem conta...

Obrigada Mãe, por amares os meus Amigos que, ainda hoje, te recordam com alegria e preferem deixar o Pai sozinho na sala, para virem fumar cigarros na cozinha talvez, quem sabe, à espera que entres ali a qualquer instante!

Aposto que tu, Mãe, continuas a gostar de ter muitos biquinis, de preferência com bolinhas, de contar anedotas picantes, de comer pézinhos de coentrada e a orelha do cozido à portuguesa. Aposto que continuas a ser rebelde, que não gostas de chapéus na cabeça e nem de beber água na praia, que insistes em andar descalça, em fazer tudo com as mãos...

Aposto que ainda me amas loucamente, como se não houvesse amanhã. Talvez porque... Não há mesmo amanhã! Por isso viveste tanto e tão intensamente, sem medos desse tal amanhã. Saber que me amas muito torna-me feliz mas não tão forte quanto ambas gostaríamos. Não tem sido fácil, confesso-te.

A minha Vida é diferente, agora.

E, como está este Sol fabuloso, acredito que queiras ir para outras paragens. Por isso mesmo, despeço-me de ti por instantes...

Aqui, Nesta Paragem, vim escrever para ti. Para te lembrar que te amo muito, cada vez mais e mais e mais. E também para te agradecer por me teres ensinado a ser assim... Atrevida. Cheia de Vida. Solta na Vida mas... Tão Tua.

Isabella Taviani, "Atrevida"






2 comentários:

Anónimo disse...

Belo, verdadeiro, puro, trancendental, angustiante,magico, grandioso, triste... cheio de ternura e AMOR! Um dia os teus filhos dirte-ão o mesmo, porque serão também fruto do AMor... Já lacrimejei claro... abraço.

bela disse...

Que continuos a ter esse dom de AMAR que a tua querida mãe te deu.
Amei simplesmente.
4 de Maio de 2009